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Linfoma Folicular (LF): um tipo indolente de linfoma não-Hodgkin de células B.

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Quem está mais atento ao assunto linfoma sabe que este é o nome de um grupo de cânceres (neoplasias malignas) que afetam os linfócitos (um dos tipos de células branca do sangue) e que existem mais de 100 subtipos, cada um deles se comportando de forma peculiar. Neste texto iremos abordar o tema Linfoma Folicular, mas se quiser ler sobre linfomas de uma forma mais geral, clique aqui 1, e se quiser entender melhor a classificação de linfomas e leucemias linfoides, clique aqui 2.

Como surge o linfoma folicular

Os linfócitos são células de defesa do organismo que compõem as chamadas células brancas do sangue. Nascem na medula óssea (tutano no osso), circulam pelo sangue, mas estão predominantemente armazenados nos gânglios linfáticos (linfonodos). Sua função mais importante é o combate às infecções, sendo considerados os generais que organizam as nossas tropas de choque. 

Dentro do linfonodo, os linfócitos se colocam em posições específicas de acordo com sua função. Assim, microscopicamente, os linfócitos B se dispõem dentro de folículos e os linfócitos T se dispõem ao redor destes folículos, todos dentro da zona cortical dos linfonodos. Dentro dos folículos, os linfócitos B entram em contato com o antígeno, geralmente proveniente de um microorganismo e que é o estimulante da resposta imune. Os linfócitos B são ativados pelo antígeno e formam uma região chamada de centro germinativo. No centro germinativo, o linfócito B muda de nome para centroblasto e, depois de sofrer alterações moleculares para melhorar a afinidade ao antígeno, há proliferação das células com melhor afinidade. A seguir, se transformam em centrócitos, que sofrem algumas modificações como a mudança de classe da imunoglobulina. O linfoma folicular surge no centro germinativo e é predominantemente formado por centrócitos. A quantidade de centroblastos por campo ajuda o patologista a classificar o linfoma folicular em graus (1, 2 e 3). Recentemente (2022), a OMS modificou a classificação dos linfomas e aqueles anteriormente chamados de grau 3B agora devem ser classificados como linfoma folicular de grandes células B (FLBL). Ou seja, segundo a nova classificação, agora temos os seguintes tipos histológicos de LF:

  • Neoplasia folicular de células B in situ (ISFN)
  • Linfoma Folicular tipo pediátrico 
  • Linfoma Folicular tipo duodenal
  • Linfoma Folicular clássico (cLF) 
  • Linfoma Folicular de grandes células B (FLBL) 
  • Linfoma Folicular com características incomuns (uFL) 
Figura 1: Estrutura esquemática de um linfonodo normal e um linfonodo com Linfoma Folicular.

Quando uma pessoa tem linfoma folicular, os linfócitos do centro germinativo se tornam anormais, crescem fora de controle e podem se espalhar para diferentes partes do corpo. A célula maligna linfoide começa a produzir, nos linfonodos, cópias idênticas, também chamadas de clones e frequentemente causam o aumento desses linfonodos, que podem ser encontrados no pescoço, nas axilas, na virilha e, eventualmente, em outras partes do corpo. 

Por volta de 1900, os linfomas foram classificados como tendo as células de Reed-Sternberg (RS), chamados de Doença de Hodgkin, ou aqueles que não tinham a célula de RS, chamados de Linfomas Não-Hodgkin. Mais de um século depois, ainda classificamos os linfomas dessa forma, mas hoje sabemos que os linfomas não Hodgkin não são apenas uma doença e não devem ser agrupados, já que são muito heterogêneos tanto na sua apresentação clínica quanto no seu tratamento. O Linfoma Folicular representa um dos tipos de Linfoma Não Hodgkin.

Epidemiologia

O Linfoma Folicular corresponde a cerca de 20% de todos os linfomas. Geralmente compromete mais idosos e a idade mediana se encontra na sexta década de vida (50-59 anos). Ac relação homem:mulher é de 1:1,7. É 2-3 vezes mais comum em caucasianos do que em afrodescendentes.  A exposição a agrotóxicos está associada a maior risco.

Quadro Clínico (quais os sinais da doença)

Este linfoma geralmente cresce lentamente, e por isso é chamado de indolente. A maioria das pessoas com linfoma folicular nota, à princípio, um ou mais linfonodos aumentados de tamanho. Esses linfonodos inchados, chamados popularmente de ínguas, geralmente estão no pescoço, na axila e na virilha, ao que chamamos de linfadenopatias periféricas. Em geral, pode-se sentir a tumoração sob a pele, mas não são dolorosas e vão crescendo lentamente no decorrer de muitos meses ou até anos. Baço, medula óssea, sangue periférico e anel de Waldeyer (região de amígdalas) também podem ser comprometidas. Apresentações extranodais (fora dos linfonodos) são incomuns, sendo o trato gastrointestinal, tecidos moles, mama e anexo ocular os locais mais comuns. Eventualmente pode se transformar em um tipo que cresce rapidamente, ou seja, em um linfoma agressivo.

A maioria dos pacientes pode não apresentar nenhum outro sintoma por muitos anos. É importante ficar atento ao que chamamos de “sintomas B”: febre, perda de peso, suores noturnos que encharcam as roupas e fraqueza. Aumento e regressão da doença sem terapia é comum, ou seja, esta doença segue um curso clínico recidivante crônico.

Do ponto de vista molecular

A grande maioria dos LF (85%) tem, pelo menos em parte, um padrão de crescimento folicular, são compostos por centrócitos e centroblastos e abrigam a translocação t(14;18)(q32;q21) associada ao gene de fusão IGH:BCL2. Estes são agora denominados LF clássico (cLF) e devem ser separados dos demais.

Diagnóstico

Para confirmar o diagnóstico será necessária uma biópsia do linfonodo. Essa biópsia necessita ser analisada por um patologista especialista na área de neoplasias hematológicas (hemato patologista), já que o linfonodo pode ser parecido com situações reacionais quando analisado ao microscópio. O hematologista e o patologista precisam trabalhar juntos! O exame de imunohistoquímica ajuda muito nesses casos e pode ser realizado na mesma biópsia. Algumas vezes, novas biópsias precisam ser solicitadas, se a primeira não esclarecer a questão.  

Estadiamento

Além de uma história clínica e exame físico bem executados, a avaliação pré-tratamento inclui estudos laboratoriais, que incluem  hemograma completo, análise de função hepática e renal, além de eletrólitos, desidrogenase lática (DHL), ácido úrico e sorologias para hepatite B, hepatite C e HIV. PET-TC e biópsia de medula óssea também são necessários. Podem ser solicitados outros estudos para sintomas específicos. Esses exames servem para estabelecer o quanto o linfoma está comprometendo o corpo e compõem o que chamamos de estadiamento, além de ajudarem no cáculo do escore prognóstico.

O estadiamento, desde 2014, é determinado usando a classificação de Lugano, uma modificação do sistema de estadiamento de Ann Arbor. A avaliação do envolvimento da medula óssea deve ser realizada com biópsia da medula óssea. A designação de um caso como A ou B (assintomático ou sintomático) não é mais necessária para os subtipos de linfoma não Hodgkin, segundo o sistema de Lugano. 

Tabela 1: Estadiamento conforme classificação ANN ARBOR (1971).

Tabela 2: Estadiamento de LUGANO (2014).

Tratamento 

Muitas vezes, o linfoma folicular não é tratado imediatamente, caso não esteja causando nenhum sintoma. Mas será necessário ser observado de perto, com exame físico clínico, exames de sangue e de imagem, até que o tratamento seja necessário. Os tratamentos disponíveis podem ajudar a reduzir os sintomas, mas geralmente não curam este tipo de câncer. A indicação dependerá de alguns fatores como: os sintomas apresentados, a localização dos linfonodos comprometidos pelo linfoma, a idade e outras condições médicas (doenças cardíacas, renais, diabetes, dentre outras). Pode incluir quimioterapia (medicamentos que matam as células cancerosas ou impedem que elas cresçam), anticorpos (proteínas criadas em um laboratório que matam as células cancerígenas, visando partes específicas dessas células, e usando alguns sistemas de defesa do seu corpo) e radioterapia. 

Alguns doentes em estadio inicial (I ou II) podem ser tratados apenas com radioterapia ou com radiação associada a quimioterapia. A doença em estágio avançado (estadio III e IV) e alguns pacientes com estadio II serão tratados se apresentarem sintomas ou se algum critério de doença em crescimento estiver presente. Muitas opções de tratamento estão disponíveis e a escolha depende da preferência do paciente e da necessidade de agir mais rapidamente (se a função de algum órgão estiver ameaçada, por exemplo). Pessoas com doença avançada geralmente são tratadas primeiro com quimioterapia associada a um anticorpo anti-CD20 (quimioimunoterapia). Os anticorpos mais comumente utilizados são o rituximabe e o obinutuzumabe, que atacam seletivamente as células tumorais do linfoma folicular. Para pessoas idosas que apresentam sintomas, o tratamento com apenas rituximabe pode ser considerado. 

Se o paciente com linfoma folicular apresentar redução do tamanho das massas, após serem tratados com quimioimunoterapia, pode-se optar por aplicar os anticorpos anti-C20 por mais tempo (geralmente 2 anos), o que é chamado de “terapia de manutenção”. A terapia de manutenção adia a progressão do linfoma. Medicamentos recentemente desenvolvidos para o tratamento de linfoma folicular (“novos agentes orais”), transplante de células-tronco (medula óssea) e radioimunoterapia são reservados para pacientes com doença recidivante.

Boa parte dos pacientes precisa de um estudo inicial da fração de ejeção cardíaca ( por ecocardiograma) quando há necessidade de receber medicamentos do grupo das antraciclinas. Antes do início do tratamento, homens e mulheres com potencial para gerar filhos devem receber aconselhamento sobre o eventual efeito do tratamento em sua fertilidade e devem ser aconselhados a considerar medidas de preservação da fertilidade. 

O prognóstico do FL está intimamente relacionado com a extensão da doença no momento do diagnóstico. O FLIPI é um escore que é resultado de uma modificação do Índice Prognóstico Internacional (IPI) e é útil para prever como a doença vai evoluir. O FLIPI usa cinco preditores independentes de sobrevida: idade > 60 anos, concentração de hemoglobina < 12 g/dL, DHL sérica elevada, estadiamento de Ann Arbor III/IV (doença disseminada no sistema Lugano) e mais do que 4 áreas nodais envolvidas. A presença de 0-1 fatores define baixo risco, 2 fatores define risco intermediário e se houver 3-5 desses fatores adversos o paciente é considerado de alto risco. A maioria dos estudos publicados mostra um curso clínico mais agressivo para LFs classificados como grau 3 (agora classificados numa categoria separada), mas o uso de esquemas de tratamento oncológico diferenciados podem melhorar este curso. Com as terapias atuais, a sobrevida mediana para pacientes com LF de graus 1 até grau 3A é maior que 12 anos. Podem ocorrer recaídas ao longo do tempo, o que reforça a necessidade de manter o acompanhamento após o tratamento.

Conclusão

O linfoma folicular é uma doença indolente. Apesar de todos os esforços, a terapia não é curativa. Alguns pacientes irão atingir remissão e outros irão necessitar de retratamento de tempos em tempos. Estes pacientes deveriam ser sempre tratados por um especialista com experiência neste tipo de linfoma, para garantir uma boa qualidade de vida, com poucos sintomas associados à doença e/ou ao tratamento. 

Se você foi diagnosticado com este tipo de linfoma, fale com seu médico sobre qualquer dúvida ou preocupação que tenha e tente entender suas opções de tratamento. Cada caso tem suas particularidades e só seu médico sabe todos os detalhes. Dessa forma,  será possível decidir qual tratamento é o mais adequado para você. 

Fique atento que o que foi dito aqui só se aplica ao linfoma folicular! Outros tipos de linfoma têm comportamentos diferentes e necessitam de tratamento específico.

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22.965.
Texto revisado em Setembro de 2022.
É permitida a reprodução parcial 
ou total desta obra, desde que 
citada a fonte e que não seja para 
venda ou qualquer fim comercial.

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