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Anemia por deficiência de ferro

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Anemia por deficiência de ferro – A “anemia por deficiência de ferro” ou “anemia ferropriva” é o tipo de anemia mais comum. A deficiência de ferro e a anemia por ela provocada são, ainda hoje, problemas de saúde pública e pode ser identificada em até 51% das crianças entre  0 a 4 anos nos países em desenvolvimento. Calcula-se que mais de meio bilhão de pessoas no mundo apresentem deficiência de ferro, em especial nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Na verdade a anemia é o ponto final da deficiência de ferro. Nosso organismo é um excelente gestor e dá prioridade ao fornecimento do ferro para a hemoglobina (que transporta o oxigênio para os tecidos) em detrimento de outros tecidos. A anemia, de fato, só aparecerá somente após a extinção dos estoques de ferro. Ou seja, antes de faltar ferro para a hemoglobina, seu organismo vai deixar de fornecê-lo, por exemplo:

  • ao seu cabelo, que pode começar a cair;
  • à sua unha, que pode ficar quebradiça;
  • às células da mucosa de sua língua, alterando o sabor dos alimentos;
  • ao seu sistema neurológico, provocando alterações de atenção e de comportamento;
  • ao seu sistema muscular, reduzindo sua capacidade de realizar esforços físicos que antes conseguia realizar.

A dieta pobre em ferro e o aumento da sua necessidade, devido ao crescimento, são causas importantes de deficiência de ferro, particularmente na infância. Gestantes também necessitam de mais ferro em sua dieta, pois fornecem o elemento para a formação do bebê. Mas, a anemia ferropriva no adulto, na maioria dos casos, não é uma doença e sim um sinal de outra doença, que está provocando perda de sangue, e, consequentemente, de ferro.

A origem da deficiência de Ferro

Causas importantes de perda de ferro no adulto são:

  • perda menstrual excessiva: incluídas aqui não só as mulheres que apresentam hemorragias, mas também aquelas que apresentam perdas acima do normal por toda a vida.
  • parasitismo: problema ainda muito importante em nosso meio. Os mais comuns são: Ascaris lumbricoides, Necator americanus, Ancylostoma duodenale, Strongyloides stercoralis e Giardia duodenalis.
  • sangramento do trato gastrointestinal: é possível ocorrer sangramento desde o esôfago até o ânus, podendo aparecer como sangue vivo nas fezes ou como sangue digerido (melena: fezes enegrecidas, do tipo “borra de café”). Algumas vezes o sangramento não é tão grande, não altera a cor e aspecto das fezes, mas se se manter por muito tempo pode reduzir progressivamente os estoques de ferro. 

 

Figura 1: Metabolismo de ferro e causas importantes de perda de ferro

Quadro Clínico

Pacientes com deficiência de ferro podem desenvolver o que os médicos chamam de pica. A palavra pica deriva do nome em latim do pássaro pega (magpie, em inglês), notório pelo hábito de reunir objetos variados em seu ninho para saciar sua fome, não discriminando substâncias nutritivas de não nutritivas. Entre exemplos de pica podemos citar: o hábito de comer gelo, arroz cru e tijolo.

Quando há instalação lenta, os pacientes se acomodam à anemia, ou seja, o corpo se adapta e o paciente pode demorar a ter sintomas.  Isso provoca atraso na procura de assistência médica. Enquanto a anemia não for corrigida, seu coração vai trabalhando cada vez mais sobrecarregado, tentando compensar a baixa hemoglobina disponível para oxigenar adequadamente o organismo.

Diagnóstico

O diagnóstico e tratamento da anemia ferropriva pode ser feito por médicos de várias especialidades. A hemoglobina estará abaixo de 12 g/dL para mulheres e abaixo de 13 g/dL para homens e o tamanho da hemácia (VCM) estará menor que o normal, na maioria dos casos (existem tabelas que estabelecem valores normais diferentes para crianças e gestantes). 

O hemograma mostrando VCM e HCM diminuídos caracteriza uma anemia hipocrômica-microcítica. No entanto, estes dados, apesar de úteis, não são diagnósticos. O índice de anisocitose (RDW), quando maior que 15%, tem 71 a 100% de sensibilidade e 50% de especificidade (aumenta quanto menor o VCM). Pode ser observado trombocitose, de até 1.000.000 de plaquetas/mm3.

A ferritina é o exame mais específico para a identificação de deficiência de ferro em pacientes anêmicos. Entretanto, resultados de ferritina elevados podem ser observados na presença de doenças inflamatórias e/ou doenças crônicas. Nestes casos, sugere-se considerar a saturação de transferrina, dada pela razão entre o ferro sérico e a transferrina.

O diagnóstico diferencial da anemia ferropriva deve ser feito, principalmente, com:

– Anemias de doença crônica: acompanham processos infecciosos, inflamatórios ou neoplásicos. A hemoglobina encontra-se levemente alterada (em geral, acima de 10g/dL), a ferritina é normal ou aumentada e a transferrina baixa.

– Beta talassemia: apresenta desde a infância anemia microcítica, com índice de anisocitose (RDW) normal.

Em ambos os casos, pode ocorrer deficiência de ferro concomitante.  A deficiência de ferro pode também estar mascarada por outras condições, como a anemia hemolítica e a deficiência de vitamina B12 ou folato.

Tratamento

Na maioria dos pacientes, a reposição de ferro não deve ser considerada o único tratamento. A causa da deficiência de ferro pode ser definida em até 85% dos casos e este deve ser o grande foco. Quando indicado, deve-se basear na reposição de ferro medicinal, visto que apenas alterações na dieta não são suficientes para corrigir a anemia, principalmente se esta for importante. Quando o ferro utilizado é o sulfato ferroso, é importante ter o cuidado de ingerir o medicamento em jejum, trinta minutos antes das refeições. O leite diminui a absorção do ferro e a vitamina C aumenta esta absorção. Outros sais de ferro não sofrem tanta interferência na alimentação. Deve-se ajustar a dose para a quantidade de ferro elementar contido nos diversos sais de ferro, sendo que a dose de tratamento ideal é de 200mg de ferro elementar/dia para adultos e 1,5 a 2mg de ferro elementar/Kg/ em crianças. 

Os efeitos colaterais se dão principalmente no trato gastrointestinal, principalmente náuseas, cólicas abdominais e diarréia, que, em geral, melhoram com o decorrer da terapêutica. 

A resposta à terapia deve ser monitorizada. A hemoglobina aumenta, em média, 1 g/dL por semana. No entanto, um terço dos pacientes apresentam recaídas, principalmente se a doença de base não foi tratada. Clinicamente, a pica regride em 1 semana, as alterações de pele em 1 a 2 semanas, de língua em 3 meses, da unha em 3 a 6 meses. No caso de falha de tratamento, deve-se descartar outros diagnósticos, má aderência do paciente (investigar se realmente está ingerindo a medicação) e prescrição inadequada.

Quando há complicações da doença de base, com perda de ferro contínua maior que a sua capacidade de absorção (por exemplo, mulheres que ainda não conseguiram controlar o sangramento menstrual intenso)  ou má absorção do ferro (exemplo: pacientes submetidas a gastrectomia redutora) pode-se necessitar de suplementação parenteral (intravenoso ou intramuscular). O tratamento com ferro parenteral é mais efetivo, mais caro e mais perigoso. Devido ao grande número de efeitos colaterais associado  ao uso intramuscular, a via endovenosa vem sendo cada vez mais utilizada, mas a infusão deve ser lenta. Se a infusão for muito rápida, podem ser observados dor, queimação e gosto metálico boca; além de hipotensão, dor de cabeça, urticária, náusea, reação anafilactóide, linfadenopatia, artralgia, mialgia e febre.  

Profilaxia 

A eficácia da suplementação profilática de ferro está concentrada em dois  importantes fatores: os efeitos colaterais gastrointestinais e a dificuldade de manter a motivação. Em pacientes que não se consideram doentes. Em mulheres grávidas, as necessidades do segundo e terceiro trimestre não são resolvidas apenas com dieta e a suplementação está indicada a não ser que mais de 500mg de estoque definido esteja presente (o que corresponde à ferritina de 70). 

Para propósitos de saúde pública, toda gestante deve receber suplementação de 100mg de ferro elementar e 500ug de folato diariamente principalmente no segundo e terceiro trimestre, já que o enjôo matinal no primeiro trimestre pode comprometer a aderência. Este, aliás, é o principal obstáculo, que pode ser atribuído aos efeitos colaterais, mas que deve ser superado através da ênfase de sua importância para a saúde da mãe e do bebê. Na mulher que está amamentando a supressão da  menstruação resulta em necessidades de ferro que se aproximam das mulheres que menstruam, não necessitando de suplementação. 

A OMS sugere programas de suplementação para crianças, sendo indicado 30mg de ferro elementar/dia para crianças em idade pré-escolar, e entre 30 e 60 mg de ferro elementar (dependendo da idade da criança) para as em idade escolar, ambos em cursos de 2-3 semanas várias vezes ao ano. A prevenção de anemia na infância também inclui promoção de aleitamento materno, devido à maior absorção do ferro do leite materno, e a promoção de introdução de alimentos que aumentem a absorção do ferro ou que sejam “fortificados” com ferro. O aleitamento materno cobre as necessidades de ferro até os seis meses, crianças de baixo peso devem receber suplementação a partir dos dois meses.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em junho de 2021.

É permitida a reprodução parcial 
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Referências:
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