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Linfoma do Manto: saiba mais sobre esse tipo raro de linfoma não-Hodgkin de células B.

Quem está mais atento ao assunto linfoma sabe que existem mais de 50 subtipos e cada um deles se comporta de forma peculiar. Neste texto iremos abordar os Linfomas do Manto, mas se quiser ler sobre linfomas de uma forma mais geral, clique aqui 1, e se quiser entender melhor a classificação de linfomas e leucemias linfoides, clique aqui 2.

Como surge o linfoma do manto

Os linfócitos são soldados de defesa do organismo que nascem na medula óssea (tutano no osso), circulam pelo sangue e estão predominantemente armazenados nos gânglios linfáticos (linfonodos). Dentro do linfonodo, os linfócitos se colocam em posições específicas de acordo com sua função. Assim, microscopicamente, os linfócitos B se dispõem dentro de folículos e os linfócitos T se dispõem ao redor destes folículos, todos dentro da zona cortical dos linfonodos. 

Dentro dos folículos, os linfócitos B entram em contato com o antígeno, geralmente proveniente de um microorganismo e que é o estimulante da resposta imune. Os linfócitos B são ativados e formam uma região chamada de centro germinativo. Ao redor do centro germinativo, mas ainda dentro do folículos (ou seja, ainda em uma zona de linfócitos B) está a zona do manto. Esta zona é formada por aqueles linfócitos B que ainda não tiveram contato com o antígeno estimulador da resposta imune, chamadas de naive (virgens), porque ainda não encontraram antígeno. A maioria dos casos de Linfoma de células do Manto (LCM) são derivados de células B pré-centro germinativo naive (virgens) da zona do manto, enquanto um subconjunto pode se originar da zona marginal ou células B de memória do sangue periférico.

 

Figura 1: Estrutura esquemática de um linfonodo.

Quando uma pessoa tem linfoma, a célula maligna linfoide começa a produzir cópias idênticas de si mesma (clones) e frequentemente causam o aumento dos linfonodos. Também podem apresentar massas em outras partes do organismo, já que o tecido linfoide está presente em todo o nosso corpo. Há mais de um século, os linfomas foram classificados como tendo as células de Reed-Sternberg (RS), ao que foi chamado de Doença de Hodgkin, ou aqueles que não tinham a célula de RS, chamados de Linfomas Não-Hodgkin. O Linfoma do Manto é considerado um tipo de Linfoma Não Hodgkin. 

Epidemiologia

O Linfoma de células do manto (ou Linfoma do Manto, LCM) representa cerca de 7% de todos os linfomas não Hodgkin de células B, ou seja, é muito menos frequente que os outros linfomas, como o Linfoma Difuso de Células B e o Linfoma Folicular. Embora seja frequentemente discutido em conjunto com as formas indolentes de LNH, seu comportamento é mais frequentemente o de um linfoma agressivo. Geralmente compromete mais homens idosos e a idade mediana ao diagnóstico é de 68 anos. 

Quadro Clínico (quais os sinais da doença)

A maioria das pessoas (75%) com Linfoma do Manto nota, à princípio, um ou mais linfonodos aumentados de tamanho. Esses linfonodos inchados podem estar em qualquer parte do corpo, como pescoço, virilha ou dentro da barriga. Também podem apresentar febre, perda de peso, suores noturnos que encharcam as roupas, dor, além de cansaço e fraqueza. Além disso, cerca de 25% dos casos se apresentam com doença extranodal (fora dos linfonodos), sendo a maioria dos casos no trato gastrointestinal.

Do ponto de vista molecular

Está associado a alterações nos mecanismos naturais de reparo de dano de DNA, principalmente comprometendo a proteína chamada ciclina D1, envolvida nos processos de controle da apoptose. A apoptose é um mecanismo de morte programada, que todas as nossas células possuem, e que ativa proteínas específicas caso algum problema seja identificado na divisão celular (mutações, quebras de DNA ou outros erros de replicação). A ciclina D1 não é expressa em linfócitos B normais. A expressão da ciclina D1 promove a transição do ciclo celular da fase G1 para a fase S e proliferação, mas a expressão da ciclina D1 por si só não é suficiente para a transformação de linfócitos B normais. Além da expressão da ciclina D1, os tumores LCM demonstram uma diminuição da resposta ao dano ao DNA e aumento da sobrevida celular (apoptose prejudicada). Alterações nessas três vias (ou seja, ciclo celular, reparo de DNA e apoptose) são, portanto, importantes para a transformação neoplásica.

 

Figura 2. Modelo hipotético dos principais subtipos de linfoma de células do manto (LCM). 

Postula-se que a maioria dos casos de LCM derive de células B pré-centro germinativo naives (virgens) da zona do manto, enquanto um subconjunto de LCM pode se originar da zona marginal ou células B da memória do sangue periférico. A ancestralidade pré-centro germinativo da maioria dos LCMs é apoiada principalmente pela ausência de mutações somáticas nos genes da região variável de cadeia pesada da imunoglobulina (IgVH), que servem como um marcador de trânsito pelo centro germinativo. As células B podem colonizar a porção interna da zona do manto, representando a neoplasia de células do manto in situ (LCMis). Após a aquisição de anormalidades genéticas e moleculares adicionais, o LCMis pode progredir, envolvendo ou não o processo de trânsito pelo centro germinativo (CG), para a forma clássica ou para a forma não nodal leucêmica, respectivamente. Mais frequentemente, o LCM clássico, mas também o LCM não nodal leucêmico podem sofrer anormalidades moleculares/citogenéticas adicionais que levam à progressão clínica e, às vezes, morfológica. Adaptado de Swerdlow et al. e Roue et al.

 

O LCM está associado a uma alteração citogenética clássica e adquirida (não é herdada dos pais), que é a translocação recíproca entre um pedaço do cromossomo 11 e do cromossomo 14. Esta translocação coloca um gene muito ativado em linfócitos (porção variável do gene da imunoglobulina) junto a um oncogene, que por fim leva à superexpressão da ciclina D1. A demonstração dessa proteína é muito importante na definição diagnóstica do linfoma do manto, já que este pode se “parecer” morfologicamente com outras neoplasias linfoides e a ciclina D1 está positiva em mais de 90% dos casos. As principais neoplasias que podem se parecer com o linfoma do manto são a leucemia linfocítica crônica, o linfoma folicular, o linfoma da zona marginal e o linfoma linfoblástico. Uma minoria dos casos não demonstra ciclina D1, mas muitas vezes super expressa outros mediadores do ciclo celular, particularmente ciclina D2 e ciclina D3. O LCM, incluindo casos negativos de ciclina D1, está frequentemente associado à expressão alterada de SOX11, um fator de transcrição que pode contribuir para um bloqueio na diferenciação em células deste linfoma. A Mutação do TP53, mais do que a deleção do TP53, está associada a um pior prognóstico.

Diagnóstico

Para confirmar o diagnóstico serão necessárias biópsias: do linfonodo, de outro órgão comprometido e de medula óssea. Essas biópsias necessitam ser avaliadas por um patologista especialista em neoplasias hematológicas. Nestes casos, é muito importante que toda a equipe (cirurgião que faz a biópsia, endoscopista, patologista e hematologista) estejam em sintonia e conversem entre si para que este possível diagnóstico não seja negligenciado. O padrão histológico pode ser difuso, nodular ou zona do manto. Alguns casos  são descritos como uma combinação dos três padrões. A maioria dos casos é composta exclusivamente de células linfoides de pequeno a médio porte, com núcleos ligeiramente irregulares ou “entalhados”.

O exame de imunohistoquímica, que analisa, além de outros marcadores, a presença da ciclina D1, ajuda muito nesses casos. Alguns dados de imunofenotipagem também ajudam a estabelecer o diagnóstico de linfoma do manto, que é considerado uma doença linfoproliferativa CD5 +. As células do linfoma do manto expressam altos níveis de IgM e IgD de superfície, em geral com expressão da cadeia leve lambda, que é vista em até 80% dos casos. Eles também expressam antígenos de células pan-B (por exemplo, CD19, CD20), CD5 e FMC7. Casos raros podem ser CD5– ou CD23+.

A maioria dos casos irá apresentar a t(11;14), identificada por por citogenética convencional ou hibridização in situ por fluorescência (FISH), embora esse rearranjo não seja específico para LCM. Quando o linfoma do manto envolve o trato gastrointestinal (polipose linfomatosa), as células tumorais expressam a integrina da molécula de adesão alfa-4/beta-7 (CD49d), que normalmente está envolvida no direcionamento de linfócitos para vênulas nos tecidos linfoides associados ao intestino. 

Dessa forma, podemos dizer que, em geral, para diagnóstico do LCM se identifica um padrão monomórfico de linfócitos B de pequeno a médio porte com núcleos irregulares e a imunohistoquímica é positiva para translocação de ciclina D1 (BCL1). Alguns casos irão necessitar da citogenética convencional ou FISH demonstrando a t(11;14)(q13;q32) entre o CCND1 e a cadeia pesada de imunoglobulina (IgH). 

Estadiamento

Além de uma história clínica e exame físico muito bem executados, a avaliação pré-tratamento inclui estudos laboratoriais, que incluem hemograma completo, bioquímica do sangue com análise de função hepática e renal, além de eletrólitos, desidrogenase lática (DHL), ácido úrico e sorologias para hepatite B e HIV. PET/CT e biópsia de medula óssea também são necessários. Podem ser solicitados outros estudos para sintomas específicos. Dessa forma, punção lombar com análise de liquor (que é o líquido que banha o cérebro) pode ser necessário nos casos com variante blastoide ou quando há sinais de comprometimento do SNC. Endoscopia digestiva alta e colonoscopia são realizadas em pacientes com sintomas gastrointestinais ou achados em exame físico sugestivos de envolvimento gastrointestinal, mas podem ser indicados em assintomáticos quando este  envolvimento muda o manejo (por exemplo, doença estágio I/II).

Esses exames servem para estabelecer o quanto o linfoma está comprometendo o corpo e compõem o que chamamos de estadiamento. Usualmente, o LCM é identificado em estadio avançado (estadio IV), envolvendo linfonodos acima e abaixo do diafragma, podendo comprometer as chamadas regiões extranodais (aqui se destaca o comprometimento do trato gastrointestinal) e medula óssea. Além disso, as células doentes podem ser encontradas no sangue periférico, situação que comumente é chamada de linfoma leucemizado. 

Tratamento 

O tratamento dependerá de alguns fatores como: 

  • sintomas apresentados,
  • localização dos linfonodos comprometidos pelo linfoma, 
  • idade
  • outras condições médicas (doenças cardíacas, renais, diabetes, dentre outras). 

Quase todos os pacientes precisam de um estudo inicial da fração de ejeção cardíaca (por exemplo, por ecocardiograma) antes de receber um dos componentes do tratamento, chamado de antraciclina. Antes do início do tratamento, homens e mulheres com potencial para gerar filhos devem receber aconselhamento sobre o eventual efeito do tratamento em sua fertilidade e devem ser aconselhados a considerar medidas de preservação da fertilidade.

A terapia pode incluir:

  • quimioterapia, medicamentos que matam as células cancerosas ou impedem que elas cresçam através de ações no ciclo celular;
  • radioterapia;
  • anticorpos monoclonais, que são proteínas criadas em laboratório e que matam as células cancerígenas usando moléculas de superfície celular como alvo;
  • terapia de alvo com inibidores de tirosina quinase visando moléculas expressas dentro da célula B que, em geral, tem ação sobre a tirosina quinase de Bruton que faz parte da via de sinalização do receptor do linfócito B e encontra-se altamente ativada em neoplasias linfoproliferativas.
  • cirurgia, que geralmente não é benéfica, mas pode ser valiosa em pacientes que apresentam obstrução intestinal, por exemplo.

Existe um pequeno subgrupo de pacientes que terá um curso mais indolente e pode não necessitar de tratamento inicialmente. No entanto, a maioria dos pacientes necessita de tratamento ao diagnóstico. Em pacientes jovens com boa condição de saúde, pode-se utilizar tratamento com imunoquimioterapia mais agressiva, seguido de transplante de medula óssea autólogo. É importante entender que há grande diversidade de práticas clínicas e ambiguidades em torno da melhor abordagem de tratamento preferencial para pacientes com linfoma do manto.

Em geral o esquema de indução inclui imunoquimioterapia, com um anticorpo monoclonal anti-CD20 (rituximabe, por exemplo) associado a esquema quimioterápico convencional como CHOP, bendamustina e eventualmente  esquema mais agressivo como o HYPERCVAD ou esquema alternando CHOP e DHAP. 

A resposta ao tratamento é determinada usando informações coletadas de história clínica, exame físico, testes laboratoriais e tomografia computadorizada. Caso tudo estiver como planejado, o regime de primeira linha é continuado, ou se não houver uma boa resposta, o tratamento de segunda linha pode ser oferecido. Se tudo correr bem com o protocolo de primeira linha, são solicitados exames de sangue para avaliar novamente a resposta ao tratamento ao final dos ciclos planejados. Se houver uma boa resposta, a “manutenção” por 2 a 3 anos com um anticorpo monoclonal anti-CD20 (por exemplo, rituximab) em geral é oferecida. Existem inúmeros medicamentos que podem ser considerados em caso de recaída ou refratariedade da doença e vários estudos clínicos estão sendo conduzidos nesta área.

O curso do LCM é moderadamente agressivo e variável. Vários estudos tentaram determinar os fatores prognósticos para prever quais pacientes terão um curso mais agressivo. Os sistemas de pontuação mais comumente utilizados envolvem fatores como idade, nível de DHL, estado geral de saúde (escala ECOG ou performance status), contagem de leucócitos em sangue periférico (hemograma), dentre outros.

Conclusão

O linfoma de células do manto é uma doença rara que pode ser difícil de diagnosticar e difícil de tratar. Apesar de todos os esforços, a terapia não é curativa. Alguns pacientes irão atingir remissão e outros irão necessitar de retratamento de tempos em tempos. Estes pacientes deveriam ser sempre tratados por um especialista com experiência neste tipo de linfoma, para garantir uma boa qualidade de vida, com poucos sintomas associados ao tratamento. A boa notícia é que mais de uma dezena de terapias estão em estudo e algumas alternativas já se mostraram promissoras em segunda linha.

Se você foi diagnosticado com este tipo de linfoma, fale com seu médico sobre qualquer dúvida ou preocupação que tenha e tente entender suas opções de tratamento. Cada caso tem suas particularidades e só seu médico sabe todos os detalhes. Dessa forma,  será possível decidir qual tratamento é o mais adequado para você. 

Fique atento que o que foi dito aqui só se aplica ao linfoma do manto! Outros tipos de linfoma têm comportamentos diferentes e necessitam de tratamento específico.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22.965.

 

Texto revisado em Junho de 2022.
É permitida a reprodução parcial 
ou total desta obra, desde que 
citada a fonte e que não seja para 
venda ou qualquer fim comercial

 


Referências:
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  • FIGUEIREDO MS, KERBAUY J, LOURENÇO DM. Hematologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar. UNIFESP-EPM. Manole, 2011.
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  • HOFFBRAND AV & MOSS PAH. Fundamentos em Hematologia. 6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
  • HOFFMAN et al, Hematology, basic principels and practice, 4. Edição
  • LONGO, DJ. Harrison’s Hematology and Oncology, 2ed. 
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  • SWERDLOW SH et al. WHO classification of Tumors of Haematopoietic and Lymphoid Tissue: IARC: Lyon 2017
  • ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014. 

Linfoma: o câncer do sistema linfático

O sistema linfático é composto por órgãos distribuídos por todo o corpo, os gânglios linfáticos (linfonodos), que produzem e armazenam uma das células que combatem as infecções, os linfócitos. 

Linfoma é um câncer que surge quando um linfócito se transforma em célula maligna, capaz de crescer descontroladamente e disseminar-se. A célula maligna começa a produzir, nos linfonodos, cópias idênticas (também chamadas de clones), levando ao inchaço dos gânglios, muitas vezes chamados de ínguas. Como os linfócitos percorrem todo o corpo, diz-se que o linfoma é uma doença sistêmica e pode comprometer os gânglios linfáticos de qualquer parte do corpo. Nem toda íngua representa o caso de um linfoma, já que infecções virais e bacterianas podem provocá-las. É o que acontece, por exemplo, na amigdalite, onde uma infecção das amígdalas leva ao aumento dos gânglios do pescoço (região que fornece e drena células de defesa para a amígdala).

Existem diferentes tipos de linfoma. Os linfomas são classificados em Linfoma de Hodgkin e Linfoma Não-Hodgkin. Há mais de 20 tipos diferentes de linfoma não-Hodgkin.

Estatísticas do Linfoma

Estimativa de novos casos:

  • Linfoma de Hodgkin: 2.640, sendo 1.590 homens e 1.050 mulheres (2020 – INCA).
  • Linfoma Não Hodgkin: 12.030, sendo 6.580 homens e 5.450 mulheres (2020 – INCA).

Número de mortes:

  • Linfoma de Hodgkin: 532, sendo 307 homens e 225 mulheres (2019 – Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM).
  • Linfoma Não Hodgkin: 4.923, 2.695 sendo homens e 2.228 mulheres (2019 – Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM)

Quadro Clínico

Alguns tipos crescem muito lentamente, outros mais rapidamente. Às vezes, inicia-se o quadro com um tipo de linfoma de crescimento lento e, mais tarde, se torna de crescimento rápido, ao que chamamos de transformação.

O primeiro sinal de linfoma é, na maior parte das vezes, um ou mais gânglios linfáticos grandes, que podem ser sentidos debaixo da pele, mas geralmente não são dolorosos. As localizações mais comuns são pescoço, virilha e axila. No entanto, como existem linfonodos em todas as partes do corpo e pode ser que o único sintoma seja a compressão de outro órgão pelo crescimento de um gânglio mais profundo, que, nestes casos, pode provocar dor e outros sintomas. Por exemplo, um linfonodo aumentado dentro da barriga, pode comprimir o ureter (que drena a urina do rim para a bexiga), podendo provocar redução do volume urinário e até insuficiência renal. A avaliação do tamanho do baço e do fígado também é importante.

Outros sintomas importantes, que inclusive são utilizados para caracterizar a extensão da doença (estadiamento) são febre, perda de peso (mais que 10% do peso corporal em 6 meses) e sudorese noturna que molha a roupa. Todos esses sintomas também podem ser causados por condições que não são linfoma. Mas se você tem esses sintomas, deve conversar com o seu médico.

Diagnóstico

O médico suspeita de linfoma através dos sintomas e de achados do exame físico. Para comprovar a doença é necessário uma biópsia do linfonodo comprometido. Na biópsia, o médico cirurgião remove parte ou todo o linfonodo doente, e o patologista (outro médico) analisa este tecido, utilizando um microscópio. Muitas vezes, é necessário complementar o exame com a chamada imuno-histoquímica, um método de análise molecular dos tecidos. É uma técnica excelente de detecção e tem a vantagem de ser capaz de mostrar, exatamente, onde uma determinada proteína está localizada no tecido examinado. A imuno-histoquímica é fundamental para a definição do tipo do linfoma.

Confirmado o diagnóstico, ou em casos onde não é possível abordar o linfonodo comprometido, cirurgicamente, o médico hematologista irá realizar a biópsia de medula óssea, que é o tecido esponjoso no centro de alguns ossos. Novamente o patologista analisa a amostra em um microscópio para verificar se ela tem indícios de infiltração pelo linfoma. Em alguns casos, pode ser necessário a análise da medula com o exame de imunofenotipagem (citometria de fluxo), onde painéis de anticorpos marcados com cores permitem a caracterização das células e a melhor classificação da doença. Tomografias, ressonâncias e PET-TC (Tomografia por emissão de pósitrons) são exames de imagem normalmente solicitados e que permitem ao médico conhecer quais são as regiões comprometidas pela doença. Outra biópsia pode ser necessária, nos casos onde outras localizações parecem não estar normais, como, por exemplo, se for encontrado algum nódulo no pulmão. Recentemente (Lugano, 2014) foi estabelecido que alguns casos de linfoma de Hodgkin e de linfoma difuso de grande células B pode-se dispensar a realização da biópsia de medula, dependendo dos achados do PET-TC.

Com os dados da biópsia de medula e dos exames de imagem, além dos dados clínicos (sintomas como febre, perda de peso e sudorese noturna), o médico (em geral um hematologista), poderá fazer o estadiamento da doença. O estadiamento é uma maneira dos médicos identificarem como o linfoma se espalhou dentro do sistema linfático ou dentro do corpo. O estadiamento engloba anamnese e exame físico, exames de sangue, biópsia de medula óssea, tomografias e PET-CT.

 Tratamento

O tratamento indicado dependerá, em parte, da fase do linfoma, e dependerá também do tipo de linfoma, da idade, e da presença ou não de outros problemas de saúde. Os hematologistas podem tratar esta doença de diferentes maneiras. Pessoas com alguns tipos específicos devem ser tratadas imediatamente. Outros tipos, com linfomas de crescimento lento e que não estiverem causando sintomas, podem, muitas vezes, não necessitar de tratamento num primeiro momento. Os seguintes tratamentos são utilizados:

– Quimioterapia: medicamentos que matam as células cancerosas, mas que podem, muitas vezes, afetar células saudáveis também. Outros tratamentos oncológicos, como anticorpos monoclonais e inibidores de tirosino quinases também podem ser utilizados.

– Radioterapia: radiação em dose específica que mata células cancerosas.

– Transplante de medula óssea: este tratamento substitui células na medula óssea que são mortas por quimioterapia ou radiação.

Após o tratamento, o paciente passará por checagens frequentes, para verificar se o linfoma retornou. Além disso, é importante ficar atento se os sintomas iniciais retornaram, e procurar logo o médico se isto estiver acontecendo. Se o linfoma retornar, um novo tratamento será instituído, incluindo quimioterapia, radioterapia ou mesmo transplante de medula.

 

Se estiver com linfoma, o que mais posso fazer?

É importante seguir as instruções de todos os seus médicos sobre visitas e exames. Também é importante falar com seu médico sobre qualquer efeito colateral ou qualquer problema, que você venha a ter durante o tratamento. Ser tratado envolve fazer escolhas, inclusive qual o tratamento e quando deve ser iniciado. Sempre deixe seus médicos e enfermeiras saberem como você se sente.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.

 

Texto revisado em fevereiro de 2022.
É permitida a reprodução parcial 
ou total desta obra, desde que 
citada a fonte e que não seja para 
venda ou qualquer fim comercial.

Referências:
  • Site do INCA (Instituto Nacional do Câncer), visitado em janeiro de 2022. Páginas:
  • ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014.
  • CHERSON BD ET AL. Recommendations for Initial Evaluation, Staging, and Response Assessment of Hodgkin and Non-Hodgkin Lymphoma: The Lugano Classification. Clin Oncol 2014; 32:3059-3067.
  • FIGUEIREDO MS, KERBAUY J, LOURENÇO DM. Hematologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar. UNIFESP-EPM. Manole, 2011.
  • FORONES NM ET AL. Oncologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2005; capítulo 44, 321-336. (Classificação clínica)
  • HOFFBRAND AV & MOSS PAH. Fundamentos em Hematologia. 6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
  • HOFFMAN et al, Hematology, basic principels and practice, 4. Edição
  • LONGO, DJ. Harrison’s Hematology and Oncology, 2ed. 
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  • ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014. 

Neoplasias linfoides: linfomas e leucemias

O sangue é formado por células vermelhas, plaquetas e células brancas. As células brancas têm como principais representantes os neutrófilos e os linfócitos. Os neutrófilos são os soldados que estão na primeira linha de defesa contra os microrganismos. Já os linfócitos são extremamente importantes no refinamento da proteção do organismo, eles são os soldados de elite e o serviço de inteligência de nossas forças armadas. São os linfócitos também que são responsáveis pelo estabelecimento da memória imunológica, que é a capacidade que nosso organismo tem de reconhecer os microorganismos com quem já entramos em contato, a fim de eliminá-los com maior facilidade em um segundo contato.

Linfócitos nascem na medula óssea. Após o nascimento começam a se dividir e se diferenciar. Linfócitos B são principalmente responsáveis pela produção de anticorpos e Linfócitos T pela memória imunológica. A maturação dos linfócitos B ocorre na medula óssea e nos linfonodos e dos linfócitos T na medula óssea e no timo. Após o amadurecimento completo de linfócitos B e T, ele se encontram nos chamados tecidos linfoides e daí são acionados quando há uma invasão do organismo por microorganismos.

 

O câncer que compromete os linfócitos se chama linfoma e normalmente forma massa nos tecidos linfoides (ínguas). Outra forma de chamar este grupo de doença é usar o termo doença linfoproliferativa (porque há proliferação de linfócitos) ou neoplasia linfoide. Quando uma pessoa tem um câncer neste sistema, os linfócitos se tornam anormais, crescem fora de controle e podem viajar para diferentes partes do corpo. A célula maligna linfoide começa a produzir, nos linfonodos, cópias idênticas, também chamadas de clones e frequentemente causam o aumento desses linfonodos, que podem ser palpados no pescoço, nas axilas, na virilha e, eventualmente, em outras partes do corpo. Alguns tipos de leucemia também comprometem linfócitos, são chamadas de leucemia linfoide aguda e leucemia linfoide crônica. Na leucemia linfoide aguda, as células linfoides não amadurecem e há aumento de blastos (células imaturas), na leucemia linfoide crônica, há proliferação de linfócitos maduros. 

Dependendo de qual tipo de linfócito é comprometido e em qual momento de sua maturação e migração ele está, classificamos o tipo de linfoma. A classificação é importante porque nos permite entender melhor o comportamento da doença.

Um dos linfomas mais conhecidos é a Doença de Hodgkin e as células Reed-Sternberg (RS), grandes e multinucleadas, são específicas deste tipo de neoplasia. As células RS foram mencionadas pela primeira vez em 1900 e, a partir daí, os linfomas, que eram bem menos entendidos naquela época, passaram a ser classificados em:

  • Hodgkin, que tinham a RS,
  • Não-Hodgkin, que eram todos aqueles que não tinham a RS.

 

Sabemos atualmente que existem mais de 50 tipos de linfomas. A OMS (Organização Mundial de Saúde), na sua edição de 2017, não usa mais o termo “Linfoma não Hodgkin”, optando por descrever os subtipos de linfoma como vemos abaixo:

  • Linfoma de Hodgkin
  • Neoplasia de células B maduras (provenientes de linfócitos B),
  • Neoplasia de células T maduras (provenientes de linfócitos T)
  • Doença linfoproliferativa pós transplante

Cada item desses é subclassificado em vários subtipos de linfoma.

 

Do ponto de vista do comportamento clínico, os linfomas não Hodgkin são classificados em:

  • Linfomas Muito agressivos (linfoma de Burkitt, linfoma linfoblástico), que, se não tratados, crescem de forma muito rápida (dias a semanas) e respondem bem ao tratamento quimioterápico, que tem objetivo curativo.
  • Linfomas Agressivos (linfoma difuso de grandes células B, ), que tem crescimento rápido (meses) e respondem bem à quimioterapia, podendo ser curados.
  • Linfomas Indolentes (linfoma folicular, linfoma de pequenas células), que crescem lentamente, por anos. O objetivo do tratamento aqui é paliativo, já que não teremos cura. Mas teremos aumento na sobrevida se identificado e tratado no momento correto. Esse momento de tratamento nem sempre será exatamente quando o linfoma indolente for diagnosticado.

Lembre-se, o seu médico é sempre a melhor fonte de informação para o seu caso específico.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em Setembro de 2021.

Referências:
  • FIGUEIREDO MS, KERBAUY J, LOURENÇO DM. Hematologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2011.
  • FORONES NM ET AL. Oncologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2005; capítulo 44, 321-336.
  • SWERDLOW SH et al. WHO classification of Tumors of Haematopoietic and Lymphoid Tissue: IARC: Lyon 2017.
  • ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014.