O que são neutrófilos?
As células brancas do sangue são conhecidas como leucócitos e são responsáveis pela defesa de nosso corpo. Elas formam um exército, indo para os sítios de infecção onde lutam contra partículas estranhas, bactérias, por exemplo. Os neutrófilos formam um subgrupo de leucócitos que representam a primeira linha de defesa de nosso exército. O número dos neutrófilos normalmente aumenta quando há uma infecção em alguma parte do corpo. Quando estas células têm um número reduzido, chamamos este estado de neutropenia.
Estas células, como todas as células do sangue, são originadas de células-tronco pluripotentes presentes na medula óssea, que vão amadurecendo e se diferenciando sob influência de fatores de crescimento específicos. Os neutrófilos considerados maduros (bastonetes e segmentados) são “soldados” que conseguem exercer seu papel plenamente. Os demais neutrófilos (mielócitos, prómielócitos, metamielócitos), considerados imaturos, conseguem exercer sua função apenas parcialmente e são liberados na circulação apenas em situações especiais. Exemplos comuns de situações que liberam células imaturas na circulação são as infecções graves.
Figura 1: Esquema de hematopoese simplificado.
O que define a neutropenia?
Neutropenia existe quando a contagem de neutrófilos maduros (soma dos bastonetes e segmentados) é inferior a 1.500/mm3. O paciente neutropênico está mais predisposto a adquirir infecção, seja por bactérias ou por fungos. Existem três classificações de gravidade da neutropenia, baseado na contagem absoluta de neutrófilos, e o risco de infecção é maior quanto menor for a contagem de neutrófilos:
- Neutropenia leve (1.000/mm3 < neutrófilos <1.500/mm3) – mínimo risco de infecção.
- Neutropenia moderada (500/mm3 < neutrófilos < 1.000/mm3) – moderado risco de infecção.
- Neutropenia grave (neutrófilos <500/mm3) – alto risco de infecção.
Causas de neutropenia:
Alguns grupos populacionais podem ter, normalmente, uma contagem mais baixa de neutrófilos, como afrodescendentes e pacientes com neutropenia benigna crônica. Estes grupo não costumam apresentar infecção, apesar de níveis baixos de neutrófilos. No entanto, uma variedade de doenças pode causar neutropenia, que podem ser classificadas em:
- Neutropenia por defeito na fabricação (causas medulares) – a análise da medula óssea demonstra alteração na produção dos neutrófilos, seja porque a medula foi substituída por outro tipo de célula (exemplos: leucemias, linfomas, mieloma), seja porque a produção das células dos sangue está reduzida (aplasia de medula, agranulocitose) ou porque apresenta um defeito que impede a maturação e diferenciação adequada das células (mielodisplasia).
- Neutropenia por aumento na destruição (causas periféricas) – quando a análise da medula óssea se mostra normal, a neutropenia pode ocorrer devido a destruição imunológica (anticorpos) periférica, sepse (infecção generalizada) ou hiperesplenismo (aumento da atividade de retirada de células do sangue pelo baço). Também pode ser associada a distúrbios clonais de linfócitos T. A Síndrome de Felty é um tipo de neutropenia imune (mediada por anticorpo) associada a atrite reumatóide e aumento do tamanho do baço.
Algumas vitaminas ajudam a produzir os neutrófilos no corpo. Ácido fólico, vitamina B12 e cobre são exemplos. Está relacionada a pacientes que são vegetarianos estrito, que fizeram cirurgia de redução de peso (bariátrica) e não tomam seus suplementos, e em algumas doenças, como a anemia megaloblástica. Nestes casos, os níveis de uma ou mais vitaminas estão baixos.
A neutropenia isolada ocorre frequentemente como uma reação a medicamentos e é um efeito colateral importante da administração de quimioterapia e radioterapia. Os neutrófilos (e seus precursores) estão constantemente sendo produzidos e têm uma vida útil curta. Isso os torna muito sensíveis a estes tratamentos. Para a maioria dos agentes quimioterápicos, as contagens dos elementos do sangue atinge seu ponto mais baixo (chamado nadir) 8-10 dias (algumas pessoas dizem 7-14 dias) após o quimioterapia. Mas isso pode variar de acordo com o tipo de medicação utilizada, onde a recuperação pode ser mais demorada.
Neutropenia induzida por radiação (radioterapia) está associada à quantidade de exposição e se o local irradiado é uma área de produção da medula óssea (exemplo: esterno, crânio, bacia). Pacientes que foram neutropênicos em um ciclo anterior de quimio ou radioterapia têm alto risco de apresentar neutropenia em todos os tratamentos subseqüentes. Cada vez que um paciente recebe um ciclo de quimioterapia ou uma rodada de radiação, o risco de neutropenia aumenta.
Existem inúmeras causas de queda de todos os elementos figurados do sangue, situações que chamamos de pancitopenia, e todas podem causar neutropenia.
O risco de infecção associada à neutropenia aumenta quando associada a idade avançada, desnutrição, vários tratamentos ou tratamentos prolongados, aplicação simultânea de outros medicamentos (como antibióticos ou esteróides). Fatores de crescimento mielóides (estimuladores de colônia), como o G-CSF (filgrastim) podem ser úteis para encurtar o tempo da neutropenia associada à quimioterapia.
O acontece se estou com neutropenia e tenho febre?
“Neutropenia febril” significa ter febre quando as contagens de neutrófilos estiverem muito baixas. É uma emergência médica e deve ser tratada imediatamente. Qualquer temperatura maior do que 37,8oC deve ser relatada ao médico sem demora. É importante lembrar a definição de febre: 2 episódios de 37,8oC com intervalo de 30 minutos ou 1 episódio de 38oC.
A febre, quase sempre, indica a presença de infecção, que, se não tratada imediatamente, pode ser fatal. Tomar remédios contra a febre (antitérmicos) só vai mascarar o quadro e atrasar o tratamento adequado.
Mesmo não havendo febre, a presença de tosse, inchaço, dor ou vermelhidão em algum local, tais como região perianal ou seios da face, dor de garganta ou ao urinar, ou a presença de diarréia podem ser sinais de infecção.
“Prevenção vale a pena “
Algumas medidas ajudam a evitar que pacientes com neutropenia adquiram um episódio de infecção:
- Evite lugares lotados e pessoas doentes (especialmente crianças). Evite o contato com pessoas com doenças infecto-contagiosas (como catapora, gripe, resfriados). Isso inclui o acompanhante, se estiver com uma tosse ou coriza não cuide do paciente. Neste caso, a máscara não ajuda muito, mantenha distância.
- Lavagem das mãos frequente e adequada (o paciente e aqueles que entram em contato com eles). Esta é a mais importante medida preventiva! Você também pode usar álcool gel.
- Bons cuidados após micção em mulheres, que precisam se limpar da frente para trás.
- Banho precisa ser diário.
- Cuidados frequentes com a boca, usando uma escova de dentes macia. Se apresentar sangramento, procure um dentista e avise seu médico.
- Se o paciente tem mucosite (inflamação e descamação da mucosa da boca e do restante do trato gastrointestinal secundário à aplicação de quimioterapia e radioterapia), deve lavar a boca com enxaguatórios bucais sem álcool prescritos ou água bicarbonatada.
- Durante a relação sexual, use um lubrificante solúvel em água e não tenha relação se a contagem de neutrófilos estiver abaixo de 500/mm3. Cada médico define as diretrizes quanto a este assunto, para cada doença e para cada situação, converse sobre este assunto com seu médico.
- Evite áreas de construção, onde há liberação de fungos no ar (como Aspergillus) que podem ser mortais para um paciente imunocomprometido.
- Evite alimentos não cozidos ou alimentos que não podem ser lavados. Evitar consumir frutas frescas, legumes, flores e plantas vivas (qualquer coisa que cresce na sujeira tem bactérias nele). Caso o alimento tenha uma casca grossa, pode ser consumido no mesmo dia que foi aberto. Cozinhe carne, ovos e peixe até o fim para matar todos os germes. Lave cuidadosamente frutas e vegetais crus antes de comê-los, de preferência usando hipoclorito de sódio (facilmente encontrado na área de verduras e legumes dos supermercados).
- Cuidado com crianças em creches ou escolas, onde infecções se alastram com facilidade.
- Evitar contato com pessoas vacinadas com vacinas com microorganismos vivos (por exemplo: febre amarela, catapora, rubéola) por 30 dias.
- Faça uma boa “toalete pulmonar” (tosse e respiração profunda).
- Cuidado com os acessos venosos e cateteres urinários.
- Evitar enemas, temperatura retal e qualquer técnica invasiva.
- Não limpe a casa dos bichos de estimação ou tanques de peixes. Caso não seja possível evitar, use luvas e máscara ao manusear resíduos de cães, gatos ou outros animais de estimação. Em seguida, lave as mãos logo em seguida.
- Pode-se trabalhar no jardim, mas deve-se usar luvas que estejam limpas por dentro.
- Tome a vacina contra a gripe todos os anos.
- Mantenha as superfícies (como balcões de cozinha) em sua casa limpas.
- Não saia descalço.
O que são as “precauções para neutropênicos”
Este é apenas um lembrete para:
- Boa lavagem das mãos.
- Manter distância das pessoas que poderiam aumentar o risco de adquirir uma infecção.
- Se o paciente tiver que ir em algum lugar, pode usar uma máscara e evitar multidões.
- Evitar comer fora de casa (basta imaginar todas aquelas pessoas que pairam sobre o buffet de saladas, espirros, dedos esfregando o nariz), especialmente nos períodos que os neutrófilos estão muito baixos. Esta medida se aplica a pacientes que apresentam neutropenia pós quimioterapia ou após transplante de medula óssea.
- Os estudos mais modernos demonstraram não haver necessidade de colocar o paciente em “isolamento reverso ” e cobrir seus visitantes com capotes, máscaras, luvas.
O que é feito quando o paciente apresenta infecção e está com neutropenia?
Ao primeiro sinal de infecção, o médico deve ser informado para que possa obter culturas de sangue e de urina, radiografia de tórax, dentre outros exames. Além disso, se a neutropenia é importante, um antibiótico deverá ser iniciado imediatamente, sendo corrigido posteriormente, quando os resultados dos exames estiverem prontos, o que pode demorar de 2h a 5 dias. Esta é uma situação onde o início de antibiótico é verdadeiramente uma ordem prioritária, pois se trata de uma emergência com real risco de vida. Sim, estamos mais cuidadosos com o uso de antibiótico de largo espectro (devido a abuso de antibióticos e a onda de infecções resistentes aos antibióticos), mas esses pacientes são uma exceção a isso. Eles não têm o tempo de espera, que normalmente temos em pacientes imunocompetentes, para identificar onde a infecção está.
As diretrizes do NCCN (National Comprehensive Cancer Network) e do IDSA (Associação Americana de Doenças Infecciosas) recomendam começar antibióticos se o paciente tem febre e neutropenia com contagem igual ou inferior a 500/mm3 ou se a contagem é de 1000/mm3, mas é provável que caia abaixo de 500/mm3 nas próximas 48 horas ou, obviamente, se existem quaisquer sinais de infecção. Outros pacientes de “alto risco” incluem: pacientes que estão no hospital e se tornam febris, necessidade de hospitalização por qualquer causa, câncer não controlado ou piorando, pneumonia, transplante prévio, alteração renal ou hepática.
Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos
Médica do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em março de 2022.
É permitida a reprodução parcial
ou total desta obra, desde que citada
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ou qualquer fim comercial
Referências:
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