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Neoplasias mieloproliferativas crônicas (NMPC)

A célula tronco é uma célula que está localizada na medula óssea (tutano do osso)  e é capaz de se auto-renovar, mas também originar dois tipos de células, os progenitores linfoides e os mieloides. Os progenitores mieloides geram, em última instância, as células vermelhas, as plaquetas e os granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos). Quando há uma alteração genética nestas células (em geral, adquirida e muito raramente de forma hereditária), pode ocorrer uma transformação neoplásica, ou seja, origina-se um tipo de câncer, que promove um aumento na proliferação de todos os elementos que se originam da célula progenitora mieloide e, por isso, é chamada de neoplasia mieloproliferativa.

As neoplasias  mieloproliferativas crônicas (NMPC), incluem várias doenças, dentre elas:

  • leucemia mieloide crônica (LMC),
  • policitemia vera (PV), 
  • mielofibrose primária (MFP), 
  • trombocitemia essencial (TE).

Neoplasia mieloproliferativa crônica Ph positiva

Muito importante nesses casos, é fazer a pesquisa do cromossomo Philadelphia (Ph) e/ou do gene BCR/ABL, que se positivo indica LMC. A LMC, num primeiro momento, se parece muito com outras NMPC, mas tem uma evolução muito distinta, onde praticamente 100% dos pacientes evoluem com transformação para leucemia aguda em cerca de 5-10 anos.  Foi uma das primeiras neoplasias a ter sua causa genética (que não é hereditária) bem definida e, no final da década de 90, foi desenhada uma molécula capaz de impedir esta progressão. Esse é um dos grandes exemplos de avanço na ciência que mudou a trajetória natural de uma doença.  Os pacientes com LMC, adequadamente identificados e tratados, têm a mesma expectativa de vida que as pessoas da sua idade que não têm a doença! 

Neoplasias mieloproliferativas crônicas Ph negativas

Se o paciente não tem o cromossomo Philadelphia, chamamos de NMPC Philadelphia negativo e normalmente são casos de Policitemia Vera (PV), Mielofibrose (MF) ou Trombocitemia Essencial (TE). Costumam ser doenças com um comportamento mais indolente (crescimento lento e menos consequências clínicas).

No início do milênio, um marcador genético foi identificado para ajudar na identificação das NMPC Ph negativas. Se trata de uma mutação no gene JAK2, proteína que funciona como um mensageiro entre a superfície celular e o núcleo. Cerca de 90% dos pacientes com PV tem esta mutação; pacientes com MFP e TE também podem apresentá-la em menores proporções.

Caso o paciente tenha o teste da JAK2 negativo, ainda pode ser portador de NMPC e, nesses casos, é o conjunto de achados do exame físico, hemograma e dos exames de medula óssea que ajudarão na definição diagnóstica. Quando há aumento predominante de série vermelha (hemoglobina alta) chamamos de Policitemia Vera, quando há fibrose na análise  da biópsia de medula, chamamos de Mielofibrose e quando há predomínio de plaquetas elevadas, chamamos de Trombocitemia Essencial. A diferença entre estes tipos nem sempre é tão simples e um médico especialista faz toda a diferença no tempo que se demora para estabelecer o diagnóstico final. Há necessidade de afastar causas secundárias, como outros tipos de câncer, algumas infecções crônicas e quadros inflamatórios (doenças autoimunes, por exemplo). Além disso, na policitemia vera é importante afastar doenças pulmonares com baixa oxigenação, como asma grave, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e apneia do sono. A Mielofibrose tem uma proporção de transformação para leucemia aguda de cerca de 10%, uma taxa bem menor que a LMC, mas mais importante que na PV e na TE.  Ou seja, é importante fazer uma classificação correta para estimar os risco que o paciente corre por ser portador da doença.

Uma complicação relevante que deve ser sempre considerada é o fato de que todas essas doenças aumentam o risco de trombose, seja venosa (trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar), seja arterial (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral). Assim, muitas vezes alguns medicamentos são indicados para reduzir este risco. Em alguns casos, as NMPCs são identificadas quando o paciente vem para o hematologista para investigação da causa de uma trombose.

Se você tem alguma destas condições, apenas o médico especialista, que é o hematologista, pode te dizer como o seu caso se comporta. Se tiver alguma dúvida, não deixe de conversar com o seu médico.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em postado em Maio de 2022.

 

É permitida a reprodução parcial 
ou total desta obra, desde que 
citada a fonte e que não seja para 
venda ou qualquer fim comercial

Referências:
  1. CHAUFFAILLE MLLF. Neoplasias mieloproliferativas: revisão dos critérios diagnósticos e dos aspectos clínicos. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010;32(4):308-316 (Principal, mas os critérios foram atualizados na última versão do livro da OMS)
  2. FIGUEIREDO MS, KERBAUY J, LOURENÇO DM. Hematologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2011.
  3. ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014.
  4. CONITEC. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da leucemia mieloide crônica do adulto – Brasília: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2020/PCDT_LeucemiaMieloideCronicaAdulto_CP_02_2020.pdf
  5. SWERDLOW SH et al. WHO classification of Tumors of Haematopoietic and Lymphoid Tissue: IARC: Lyon 2017

Neoplasias linfoides: linfomas e leucemias

O sangue é formado por células vermelhas, plaquetas e células brancas. As células brancas têm como principais representantes os neutrófilos e os linfócitos. Os neutrófilos são os soldados que estão na primeira linha de defesa contra os microrganismos. Já os linfócitos são extremamente importantes no refinamento da proteção do organismo, eles são os soldados de elite e o serviço de inteligência de nossas forças armadas. São os linfócitos também que são responsáveis pelo estabelecimento da memória imunológica, que é a capacidade que nosso organismo tem de reconhecer os microorganismos com quem já entramos em contato, a fim de eliminá-los com maior facilidade em um segundo contato.

Linfócitos nascem na medula óssea. Após o nascimento começam a se dividir e se diferenciar. Linfócitos B são principalmente responsáveis pela produção de anticorpos e Linfócitos T pela memória imunológica. A maturação dos linfócitos B ocorre na medula óssea e nos linfonodos e dos linfócitos T na medula óssea e no timo. Após o amadurecimento completo de linfócitos B e T, ele se encontram nos chamados tecidos linfoides e daí são acionados quando há uma invasão do organismo por microorganismos.

 

O câncer que compromete os linfócitos se chama linfoma e normalmente forma massa nos tecidos linfoides (ínguas). Outra forma de chamar este grupo de doença é usar o termo doença linfoproliferativa (porque há proliferação de linfócitos) ou neoplasia linfoide. Quando uma pessoa tem um câncer neste sistema, os linfócitos se tornam anormais, crescem fora de controle e podem viajar para diferentes partes do corpo. A célula maligna linfoide começa a produzir, nos linfonodos, cópias idênticas, também chamadas de clones e frequentemente causam o aumento desses linfonodos, que podem ser palpados no pescoço, nas axilas, na virilha e, eventualmente, em outras partes do corpo. Alguns tipos de leucemia também comprometem linfócitos, são chamadas de leucemia linfoide aguda e leucemia linfoide crônica. Na leucemia linfoide aguda, as células linfoides não amadurecem e há aumento de blastos (células imaturas), na leucemia linfoide crônica, há proliferação de linfócitos maduros. 

Dependendo de qual tipo de linfócito é comprometido e em qual momento de sua maturação e migração ele está, classificamos o tipo de linfoma. A classificação é importante porque nos permite entender melhor o comportamento da doença.

Um dos linfomas mais conhecidos é a Doença de Hodgkin e as células Reed-Sternberg (RS), grandes e multinucleadas, são específicas deste tipo de neoplasia. As células RS foram mencionadas pela primeira vez em 1900 e, a partir daí, os linfomas, que eram bem menos entendidos naquela época, passaram a ser classificados em:

  • Hodgkin, que tinham a RS,
  • Não-Hodgkin, que eram todos aqueles que não tinham a RS.

 

Sabemos atualmente que existem mais de 50 tipos de linfomas. A OMS (Organização Mundial de Saúde), na sua edição de 2017, não usa mais o termo “Linfoma não Hodgkin”, optando por descrever os subtipos de linfoma como vemos abaixo:

  • Linfoma de Hodgkin
  • Neoplasia de células B maduras (provenientes de linfócitos B),
  • Neoplasia de células T maduras (provenientes de linfócitos T)
  • Doença linfoproliferativa pós transplante

Cada item desses é subclassificado em vários subtipos de linfoma.

 

Do ponto de vista do comportamento clínico, os linfomas não Hodgkin são classificados em:

  • Linfomas Muito agressivos (linfoma de Burkitt, linfoma linfoblástico), que, se não tratados, crescem de forma muito rápida (dias a semanas) e respondem bem ao tratamento quimioterápico, que tem objetivo curativo.
  • Linfomas Agressivos (linfoma difuso de grandes células B, ), que tem crescimento rápido (meses) e respondem bem à quimioterapia, podendo ser curados.
  • Linfomas Indolentes (linfoma folicular, linfoma de pequenas células), que crescem lentamente, por anos. O objetivo do tratamento aqui é paliativo, já que não teremos cura. Mas teremos aumento na sobrevida se identificado e tratado no momento correto. Esse momento de tratamento nem sempre será exatamente quando o linfoma indolente for diagnosticado.

Lembre-se, o seu médico é sempre a melhor fonte de informação para o seu caso específico.

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em Setembro de 2021.

Referências:
  • FIGUEIREDO MS, KERBAUY J, LOURENÇO DM. Hematologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2011.
  • FORONES NM ET AL. Oncologia – Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP-EPM. Manole, 2005; capítulo 44, 321-336.
  • SWERDLOW SH et al. WHO classification of Tumors of Haematopoietic and Lymphoid Tissue: IARC: Lyon 2017.
  • ZAGO MA, FALCAO RP, PASQUINI R. Tratado de Hematologia. Atheneu, 2014.  

Então, o que é leucemia mesmo?

Quando se pronuncia a palavra “leucemia” a maior parte das pessoas entra em pânico e, em geral, o que se segue é um silêncio difícil de ser revertido. Todos sabem o quanto leucemia é grave. Todos sabem que existe risco de vida. O que a maioria não sabe é que leucemia não é apenas uma doença. São várias entidades e cada uma delas tem apresentação, prognóstico e tratamento diferentes. As leucemias podem, inicialmente ser classificadas em:

  • Leucemia Linfoide Crônica (LLC)
  • Leucemia Mieloide Crônica (LMC)
  • Leucemia Mieloide Aguda (LMA)
  • Leucemia Linfoide Aguda (LLA)

 

Figura 1: Representação esquemática da medula óssea e da gênese da leucemia mieloide aguda.

Medula óssea e LMA

 

Leucemias Crônicas

 

Alguns subtipos de leucemia são, hoje, na verdade, doenças crônicas, onde o paciente tem uma qualidade de vida realmente boa. Avanços na Medicina permitiram que alguns não usem nenhuma ou usem pouca quimioterapia. As internações são menos frequentes. Estas são chamadas de leucemias crônicas, que exigem acompanhamento médico para o resto da vida, mas o portador pode ter uma vida relativamente normal.  A condição clínica desses pacientes se assemelha mais com a de alguém com diabetes ou hipertensão do que com a vida de outros pacientes oncológicos. Os efeitos colaterais  como náuseas,  queda de cabelo, aumento do risco de infecção, são bem mais brandos. 

 

  • Boa parte das pessoas com Leucemia Linfoide Crônica (LLC) ficarão sem medicação, aguardando o momento certo para iniciar o tratamento, que segue alguns critérios recomendados pelos grandes centros internacionais. Quando indicado, os tratamentos são administrados de forma endovenosa com infusões intermitentes, dentro de um período de aproximadamente 6 meses e, atualmente, grupos selecionados de pacientes podem utilizar medicação oral (neste caso de forma contínua, sem previsão de interrupção do tratamento). Nesse período, alguns efeitos colaterais podem ser importantes, mas avanços na Medicina permitem minimizar esses efeitos. A maioria dos casos entra em remissão (doença controlada) por um longo período, de meses a anos. Caso a doença recidive, o que pode acontecer em todos os casos (o que varia é o intervalo que a doença permanece em remissão) haverá necessidade de revisar o tratamento e, eventualmente, utilizar um esquema de segunda linha.

 

  • Já nos casos de Leucemia Mieloide Crônica (LMC), o tratamento precisa iniciar assim que o diagnóstico é feito para todos os casos. O tratamento utiliza  medicação oral pelo resto da vida, mas os efeitos colaterais são bem discretos, quando existem. Poucos pacientes irão apresentar recaída e necessitar de revisão de tratamento. No entanto, medicações para segunda linha já estão disponíveis e se a doença não responder, alguns raros pacientes irão precisar de transplante de células tronco (antigamente chamado de transplante de medula óssea.

 

Leucemias Agudas

 

Quanto às leucemias agudas (LMA e LLA), essas ainda precisam de tratamento agressivo, com quimioterapia mesmo. O paciente vai precisar receber muitas bolsas de sangue (concentrados de hemácias e plaquetas) e podem precisar de internação em vários momentos. Na infância os resultados são bem melhores que nos adultos. O tratamento de idosos, pela baixa tolerância à quimioterapia, ainda é considerado desafiador. Apesar de serem agrupadas por terem apresentação clínica parecida, a leucemia aguda mieloide é bem diferente da linfoide, com estratégias de tratamento completamente diferentes. São batalhas difíceis, ganhamos uma batalha de cada vez e muitas vezes ganhamos a guerra. A equipe multidisciplinar, com auxílio da nutrição, enfermagem, fisioterapia, dentre outros, são extremamente importantes. 

Recentemente algumas opções terapêuticas bem interessantes surgiram, são muito promissoras, principalmente o tratamento de alvo e aqueles baseados em imunoterapia. Neste último, onde o linfocito T do paciente se torna mais hábil a matar a célula maligna da leucemia, poupando as células normais. Ainda não estão liberados de forma sistemática no Brasil (o FDA já liberou para doenças resistentes ou refratárias) e a maioria dos casos tratados até o momento estão inseridos em ensaios clínicos. A perspectiva é que, em breve, a história da leucemia aguda vai mudar também.

 

 

Texto elaborado e revisado por
Dra. Mireille Guimarães Vaz de Campos  
Médica  do corpo clínico do INGOH
Especialista em Hematologia – Hemoterapia
CRM-GO 12.406/RQE 22965.
Texto revisado em Agosto de 2021.

 

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra,
desde que citada a fonte e que não seja
para venda ou qualquer fim comercial
Referências:
WHO. Haemoglobin concentrations for the diagnosis of anaemia and assessment of severity. Geneva, World Health Organization, 2011 (WHO/NMH/NHD/MNM/11.1) Disponível em: http://www.who.int/vmnis/indicators/haemoglobin.pdf , (visitado em 2021). 
ZAGO MA, FALCÃO RP, PASQUINI R. Tratado de hematologia. São Paulo : Editora Atheneu, 2013.